Mensagem do Presidente da Cáritas Portuguesa para a Semana Cáritas
“Pela dignidade, igual oportunidade” é o tema que a Cáritas propõe à reflexão de todos os portugueses
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No III Domingo da Quaresma, por decisão da Conferência Episcopal Portuguesa, celebra-se, em todo o país, o Dia Nacional da Cáritas que, nos últimos anos, tem vindo a ser preparado por cada Cáritas Diocesana, desenvolvendo, durante a semana que o antecede, um vasto e criativo conjunto de iniciativas. “Pela dignidade, igual oportunidade” é o tema que a Cáritas propõe à reflexão de todos os portugueses e de outros nossos irmãos que escolheram o nosso país para encontrar um futuro mais digno para si e para suas famílias. Este tema está em sintonia com o lema escolhido para assinalar o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos – Para uma Sociedade Justa. A União Europeia pretende, assim, sensibilizar os cidadãos para os benefícios de uma sociedade justa e solidária e para reforçar e exaltar a importância da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica… Destas preocupações nunca poderá estar alienado qualquer cristão. Pelo contrário para cada um deles, “cujo coração de Cristo conquistou com o seu amor, despertando nele o amor ao próximo”[1], tudo tem de ser claro, sem ambiguidades e preconceitos. Tudo em busca da verdade. É que continuamos a viver numa sociedade que não atribui iguais oportunidades a todos os seus cidadãos. E esse é o terreno fértil necessário para não se atingir o patamar mínimo da dignidade contrária a todos os princípios que norteiam o cristianismo. Podemos fazer de conta que não sabemos, mas os dados aí estão, com toda a crueza. Em 2005, em Portugal, 20 por cento da população com rendimentos mais elevados receberam 8,2 vezes mais rendimentos do que 20 por cento da população com rendimentos mais baixos, quando a média na União Europeia (25 países) era, nesse ano, de 4,9 vezes, ou seja, em Portugal a desigualdade neste campo era superior à média comunitária em 67,3%. Entre 1995 e 2005, o indicador pelo quais se regem os níveis de variação das desigualdades baixou, na União Europeia, dos 15 países mais antigos, onde Portugal se integra, de 5,1 para 4,8, enquanto que em Portugal cresceu de 7,4 para 8,2. Como se isto não bastasse, no nosso país a riqueza criada por habitante é bastante inferior à média comunitária. Em 2006, por ex., o PIB por habitante português correspondia apenas a 69,8% da média da UE (25 membros). Podemos fazer de conta que não sabemos que 2 milhões de portugueses vivem, actualmente, ainda abaixo do limiar da pobreza. Tudo isto por causa da desigual distribuição da riqueza produzida, e, infelizmente, por aqueles que menos beneficiam dela. Podemos fingir que não vemos. Mas nas esquinas das grandes cidades, sobretudo das litorais, há cada vez mais sombras de homens e mulheres que se escondem do frio e da chuva e da vergonha de serem novos sem-abrigo. O Estado, parece não ter capacidade de resposta para estas questões de desigualdade. Importa que seja a sociedade a dar mostras de querer empenhar-se na construção de um tempo novo. Por isso, nunca, como agora o ideário cristão é tão premente, tão actual, sobretudo se for capaz de fazer com que “a actividade caritativa da Igreja mantenha todo o seu esplendor e não se dissolva na organização assistencial comum, tornando-se uma simples variante da mesma.”[2]. Podemos fingir que não ouvimos. Mas nos desabafos dos mais velhos que vivem amargurados na prisão da solidão, nos gritos de dor dos imigrantes sem emprego, no desalento dos que não conseguem o primeiro trabalho, na angústia dos que não têm acesso a uma rede de saúde eficaz… está a voz dos nossos irmãos, está a razão de ser da nossa atitude cristã. Se Jesus nunca ficou indiferente perante qualquer situação de injustiça, mas comprometeu-se com cada homem e mulher do seu tempo, também nós que nos sabemos e sentimos amados por este Amor maior que brota do coração de Cristo que nos “leva a amar os irmãos como Ele os amou, quando se inclinou para lavar os pés dos discípulos (cf. Jo 13, 1-13 e, sobretudo, quando deu a sua vida por todos. (cf. Jo 13, 1; 15, 13).”[3] A Cáritas, a partir da sua própria identidade e do Evangelho vivido, no quotidiano, junto das inúmeras vítimas do esquecimento, tem o dever de chamar a atenção que temos, como cristãos, de nos co-responsabilizarmos com todos os homens e mulheres de boa vontade, pela transformação de tudo o que possa ser empecilho no acesso a iguais oportunidades. Se os Direitos Humanos são universais, as oportunidades também terão que o ser, sob pena desta universalidade ser apenas teórica. Os portugueses são convidados a partilhar com os que ainda se encontram privados de bens materiais e estão no grupo dos 20% dos portugueses que sobrevivem no limiar da pobreza. Por isso, durante esta semana quem for interpelado por algum colaborador ou colaboradora da Cáritas, devidamente identificado, não deixe de ser generoso. A indiferença é uma das maiores injustiças. Quero, recordando o testemunho de gratidão e afecto dos Bispos de Portugal, testemunhar o “apreço pela actividade altamente meritória que tantas instituições, grupos e cristãos em geral vêm desenvolvendo em todo o País e nos mais diferentes domínios de acção social”[4], sem esquecer também aqueles que, embora apenas por razões de cidadania, se empenham para que o seus concidadãos se realizem na plenitude dos seus direitos e deveres. A prática da caridade e a promoção da justiça são uma exigência da maturidade da fé e um dever da Igreja “que lhe é congénito, no qual ela não se limita a colaborar colateralmente, mas actua como sujeito directamente responsável, realizando o que corresponde à sua natureza. A Igreja nunca poderá ser dispensada da prática da caridade enquanto actividade organizada dos crentes, como aliás nunca haverá uma situação onde não seja precisa a caridade de cada um dos cristãos, porque o ser humano, além da justiça, tem e terá sempre necessidade do amor”[5]. Só assim a Igreja será capaz de seguir o seu único Mestre que veio anunciar a Boa Notícia aos pobres; a libertação aos presos, e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor (cf. Lc 4, 18-20). Sendo certo que “um ano da graça do Senhor” acontecerá sempre quando todas e cada uma das comunidades cristãs forem verdadeiras samaritanas, fraternas e comprometidas com a defesa dos direitos humanos e da dignidade de cada pessoa, em especial daquelas que se encontram em situações de pobreza e exclusão social. Na verdade, são todos os que, animados pela fé, impulsionados pela esperança e comprometidos pela caridade, sonham e lutam por uma sociedade mais digna e propiciadora de iguais oportunidades que fazem Memória de D’Aquele que se fez Pão partido e repartido para um mundo novo, sem excluir ninguém de se sentar à mesa da Palavra, da Eucaristia e do Amor, para que tivéssemos vida e vida em abundância (cf. Jo 10,10). Lisboa, 4 de Março de 2007 [1] Bento XVI, Deus Caritas Est: [Carta Encíclica 25 de Dez. 2005]. Lisboa: Paulinas – Secretariado Geral do Episcopado, 2006, n.º 33. [2] Ibidem, n.º 31. [3] Ibidem, n.º 19. [4] CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Instrução Pastoral A Acção Social da Igreja (23 de Novembro de 1997) Lisboa: Secretariado -Geral do Episcopado 1997, n.º 22. [5] DCE, n.º 29. |
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